07.06.2023

Estudante Beacon relata experiência construindo cisternas para ajudar famílias no sertão de Pernambuco

A viagem dos alunos do ensino médio da Beacon School para a comunidade de Riacho das Almas, no sertão de Pernambuco, finalizou com a construção de três cisternas para a captação de água para famílias da comunidade de Riacho das Almas, nas proximidades de Caruaru. A verba para tornar este projeto uma realidade foi conseguida através de doações de famílias. Agradecemos às famílias pelo apoio e parabenizamos os estudantes que se engajaram nessa iniciativa.

Abaixo, compartilhamos o relato emocionante da aluna Luiza Chammas De Carvalho, que esteve em Riacho das Almas por uma semana e pode ver de perto o impacto que as cirtenas geram na vida da comunidade.

Riacho das Almas
por Luiza Chammas De Carvalho

A viagem para o sertão nordestino mudou a minha vida de muitas mais maneiras além do que eu esperava. Eu cheguei em Caruaru com medo do que eu ia encontrar e receosa sobre muitos fatores. Eu nunca tinha construído uma cisterna e nunca tinha tido contato com uma parcela da sociedade tão carente – carente em inúmeros sentidos, mas certamente não carente na felicidade. 

Embarquei na viagem esperando poder fazer a diferença e no dia em que fomos introduzidos ao roteiro, fiquei pouco entusiasmada – o propósito da viagem era o de fazer algo que eu nunca tinha feito na vida. Tentei colocar isso para trás e seguir entusiasmada com a ideia da possibilidade da mudança na vida de alguém.

No dia seguinte, fomos para o Riacho das Almas. Na verdade, o nome do local não diz jus às pessoas que nele vivem. São muitas almas – almas felizes, gratas e entusiasmadas -, mas que nem um riacho tem. Na verdade, as famílias do riacho das almas tem falta justamente disso: de uma fonte de água. Uma fonte de vida. 

Chegando lá, fui apresentada a Katiane e seus filhos – aqueles que iriam receber a cisterna. Katiane andava sempre com um sorriso no rosto, mas era uma mulher de poucas palavras. Ela sorria mais do que falava, mas para mim aquele sorriso comunicava tudo o que eu precisava saber: que ela não se incomodava com a nossa presença em sua casa. Obviamente, o produto final iria favorecê-la, mas até lá, sua casa ficaria temporariamente empoeirada e eu não queria causar nenhum tipo de inconveniência a essa mulher, que tinha que carregar o peso de não poder fornecer um direito básico aos seus filhos – o direito à água. Para mim, uma moradia digna e limpa era só um terço do que eu devia a ela. 

Quando eu pisei na casa de Katiane, eu senti medo. Medo porque aquilo era muito distante de mim, medo porque empatizar e entender a situação daquelas pessoas ia muito além. No primeiro dia, fiquei distante. Construí e completei as tarefas do dia, mas era difícil olhar para aquelas pessoas e não sentir pena – e eles não mereciam a minha pena. Eles mereciam a minha ajuda.

No segundo dia, entrei na casa de Katiane com um mindset totalmente diferente. Eu não sentiria pena. Eu tentaria ver as coisas boas na vida daquelas pessoas. Aprender com sua gratidão. 

Brinquei com Jadi, o filho mais novo de Katiane, e joguei futebol com seus dois outros filhos. Esta terça-feira alimentou a minha alma. Eu me senti conectada, me senti grata. Grata por ter a oportunidade de conhecer aquelas crianças. Pequenas, mas sonhadoras. Tão carentes monetariamente, mas tão esperançosas. Os filhos de Katiane queriam jogar na seleção brasileira de futebol, mesmo tendo só uma bola murcha e um chinelo como trave de gol. Eles me ensinaram que sonhar é pra qualquer um e que rico é aquele que se permite sonhar, mesmo não tendo os recursos no momento para alcançar aquele sonho. Terminei a terça-feira com a alma repleta de gratidão.

Na quarta, passamos só a manhã trabalhando, e logo cedo as crianças não estavam em casa, já que tinham ido à escola. Dez da manhã elas aparecem, falando que a escola estava sem energia e que tiveram que refazer o percurso de duas horas até a escola de volta para casa. Naquele momento, eu olhei para os filhos de Katiane e não vi tristeza nem ouvi reclamações – eles já estavam acostumados com aquilo. Faltar, em suas vidas, era uma constante. Faltava água, faltava energia, faltava dinheiro, faltavam à escola. Naquela noite, dormi com o coração apertado e rezei muito para que, algum dia, “faltar” deixasse de ser uma constante e a dignidade se instaurasse em suas vidas. 

Na quinta-feira, trabalhei lado a lado com Betinho, o pedreiro chefe da cisterna que estávamos construindo. Betinho era um homem de poucas palavras, que raramente sorria, e que provavelmente não tinha ideia do que eu, desastrada e sem nenhuma experiência de construção, estava fazendo lá. Mas naquele dia eu me conectei com ele e fiz disso a minha missão. Conheci um pouco da vida de Betinho, como construir essas cisternas alimentava a alma dele, e quão difícil era ser pedreiro. Um trabalho tão mal pago, mas que requer tanto. 

Betinho não era um pedreiro qualquer. Ele era um homem com uma missão: trazer água às famílias nordestinas. Ele fazia seu trabalho com cuidado e empenho, e ficava nervoso quando eu fazia algo errado – e agora eu entendia por quê. Porque para ele, aquilo não era uma cisterna. Era uma fonte de vida que iria mudar gerações. Betinho me ensinou que qualquer trabalho tem que ter um significado por trás, um propósito, uma missão. Ele me ensinou a nunca aceitar um trabalho que não alimentasse a minha alma, que não me ensinasse mais sobre a gratidão. Betinho parou de ser o “pedreiro que nunca sorria” e passou a ser “meu grande professor de vida”.

Na sexta, a cisterna estava quase finalizada e só estavam faltando os toques finais, como a pintura. Terminamos a cisterna de manhã, e olhar para aquilo me deu uma alegria de uma dimensão surreal. Ver o sorriso de Katiane, suas vizinhas e seus filhos me fez sorrir também. De placa em placa, de cimento em cimento, nós acabamos construindo uma fonte de vida. 

De tarde, entregamos as cisternas oficialmente para as famílias. Foi lindo. Foi uma entrega repleta de gratidão, de abraços e de sorrisos. A dona de uma das casas não conseguia nos agradecer de tanto que ela chorava. Eu sabia que as lágrimas eram de alegria, mas aquilo me deixou extremamente tocada. Ela chorava por ter algo que para mim era tão simples, tão banal. 

Me despedir de Katiane, seus filhos e Betinho não foi uma tarefa fácil e eu imediatamente comecei a chorar. O Riacho das Almas era um lugar muito simples, com famílias que careciam de um direito humano básico – o direito à água. Algo que eu usava com tão pouca gratidão, porque para mim era muito simples. Me senti uma ingrata. Eu sei que reclamar e a falta de gratidão no cotidiano é algo inerente ao ser humano, mas aquilo me doeu. A viagem para o sertão nordestino alimentou a minha alma e me ensinou mais do que qualquer outra experiência que eu já tive. Ela me provou que aquelas famílias tinham sonhos e uma vista linda – e aquilo bastava. Aquilo era o suficiente para elas viverem seus dias com um sorriso e com gratidão. 

Água – para mim banal, para elas uma riqueza. Banho – para mim básico, para elas privilégio. Sonhos – para mim provém muitas vezes de um fundo monetário, para elas provém da esperança. Gratidão – para mim se manifesta nas coisas boas que acontecem, para elas se manifesta no momento em que elas acordam e sentem a benção de estarem vivas.

Espero que Jadi possa crescer e seguir sempre tendo acesso a água, e que isso vire um costume em sua vida desde pequeno, não um privilégio. Espero que os filhos de Katiane possam fazer parte da seleção brasileira de futebol. Espero que Katiane siga sorrindo e que ela sempre tenha uma cisterna cheia em seu quintal.

As famílias de Riacho das Almas são repletas de fé, de gratidão e de esperança. Elas são plenamente felizes mesmo tendo aquilo que eu considerava muito pouco. Agora vejo que quem tem pouco é aquele que não sonha. Espero algum dia ser como elas.

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